Fazedor de felicidades
Crônicas do Itapema, por Jorge Souza
Janeiro, final de uma tarde quente. Um temporal já havia caído. No céu, uns restos de nuvens cinzentas dando adeus. O sol já se fora, a noite aos poucos vinha se achegando.
Naquele dia, a todo instante, eu ía à frente de casa para avistar a porteira. Em casa, a ansiedae tomava conta de todo mundo. Minha mãe era a mais contida, mas mesmo assim, disfarçadamente ía até o parapeito da janela dar uma olhadinha na estrada em direção à porteira.
Muitos planos já foram feitos, o seu local já fora meticulosamente escolhido, ele ficaria no armário, no interior da sala grande. Após acirradas discussões a decisão fora tomada, só poderia mexer nele o meu pai, minha mãe e o meu irmão Jaime inclusive era ele quem fora junto com meu pai na cidade. Para o meu pai, de todos os filhos este era o mais inteligente, o mais habilidoso para manusear coisas e consertar coisas.
O tempo passava, a noite chegou trazendo canto de curiango e coruja. No brejo a sapaiada fazia festa. A ansiedade aumentara ainda mais. Todos nós estávamos preocupados. Meu pai não tinha como hábito chegar da cidade já noite formada. O mais tardar, era na boca da noite, quando havia ainda um restinho de luz. Ele não gostava de tocar a charrete no escuro, além do que o cavalo Gaúcho ficava muito assustado durante a noite, qualquer vulto ou ruído poderia torná-lo agressivo.
Na cozinha, sob a claridade do lampião de gás, minha mãe preparava o jantar enquanto eu e meus irmãos ficávamos sentados na calçada da frente de casa, olhando a estrada, a porteira, na expectativa de ver, ou melhor, de ouvir os passos do cavalo ou o ruído das rodas da charrete no pedregulho da estrada. Isto seria o sinal do meu pai chegando. Os nossos ouvidos ficavam atentos, pois apesar da algazarra da sapaiada no brejo, lá perto da porteira, saberíamos distinguir o som.
A intervalos passados minha mãe juntava-se a nós, agora ela deixava transparecer não só a ansiedade mas preocupação também:
– Nossa o Dermino tá demorando hoje…
Com passadas lentas, ela atravessava a sala e retornava à cozinha, deixando-nos, além de ansiosos, agora também, preocupados.
O meu irmão mais velho, Jair, observou primeiro o cachorro Julim levantar as orelhas e disse:
– Vejam a cara de felicidade do Julim! O pai tá vindo!
Súbito, ouvimos o tropel decidido do Gaúcho no pedregulho da estrada. Naquele dia, o meu pai fez uma coisa que raramente ele fazia. Preso à charrete havia uma buzina composta de uma parte de borracha vermelha com formato de uma bola presa à extremidade de um tubo metálico e um bocal na forma de um autofalante na extremidade oposta. Então ele tocou a buzina quando estava bem próximo à porteira.
Nós, em algazarra, lambuzados de felicidade, corremos até a porteira ao seu encontro e ao do meu irmão Jaime que vinha junto com ele. Apesar de embalado pela felicidade, olhei para trás e vi minha mãe com aquele olhar sereno encostada na soleira da porta, orgulhosa, junto com minha irmã Jacira, a segurar ao colo a minha irmã caçula, Jomara.
Segundos depois, lá estávamos na porteira. Meu irmão Jurandir junto com Jair e Juvenal, abriram a porteira de arame farpado. Foi neste dia que aconteceu a coisa mais gostosa da minha vida! Meu pai me pegou no colo e colocou-me entre as suas pernas e me deu a rédea para tocar a charrete.
Depois do Jair, Jura e o Nal subirem na parte traseira da charrete, toquei-a até o terreiro da minha casa.
Embebido de alegria pelo ato do meu pai, havia me esquecido daquele objeto, daquela caixa grande e retangular embrulhada num pano branco o qual havíamos esperado eufóricos o dia todo e que, naquele momento, era segurado com todo cuidado pelo meu irmão, todo orgulhoso de si.
Naquele dia, o meu pai acabara de comprar o nosso primeiro rádio de pilha. Não me lembro da marca, só me lembro que o mesmo era uma caixa de madeira e na parte de trás havia uma espécie de um tubo da cor de papelão onde colocava-se uma quantidade enorme de pilhas.
Este equipamento foi para nós, por muitos anos, uma máquina de fazer felicidades. Mas, como na vida a felicidade nunca é eterna, apenas momentânea. Um dia, esta máquina deixou de funcionar para sempre. Um ratinho malvado entrou dentro dele e o corroeu por dentro, igual doença feia.
Bem, esta história do ratinho conto numa próxima vez…
Por Jorge Souza – Crônicas do Itapema – jorge.p.souza@hotmail.com